sábado, 10 de novembro de 2007

Ele está pra chegar

Final de ano chegando e com ele o personagem que inferniza nossas semanas pré-pós-natalinas. Não é o Papai Noel, não é a Xuxa (onde anda ela?), mas é tão óbvio quanto. Sim, é ele, o Rei Roberto Carlos!

Daí começam as piadas e os comentários tão previsíveis quanto o próprio cantor: ele não produz nada de novo há anos, ele está decadente, os especiais são todos iguais, e claro, não poderia faltar a inevitável comparação de Roberto com o panetone, afinal, ambos só aparecem no Natal e na Páscoa...

Ok, todos estão certos, ele foi (quase) sempre um xarope e ninguém o agüenta de uns anos pra cá. Mas isso é chover no molhado. Estou aqui para dizer com todas as letras o seguinte: sou fã do Roberto. Pronto, falei.

Reparem que não usei aspas quando me referi a ele como Rei. Dispensei qualquer ironia, sabem por quê? Porque de alguma forma esse título faz sentido. E não é só pelos recordes de vendas e o marketing avassalador que cerca o cantor ao longo de seus 48 anos de carreira. Basta ouvir com sensibilidade e um pingo de honestidade – essa é a palavra – a sua produção mais criativa, que vai de 1965 até, mais ou menos, 1976. Não há nada parecido na música pop do Brasil. Digo música pop porque o termo MPB surgiu no final dos anos sessenta carregado de preconceito. Era uma maneira de separar a “boa música”, feita por uma elite intelectual e nacionalista, da música jovem e alienada que vinha do exterior em forma de guitarras e histeria. Até hoje é um pouco assim, apesar da decisiva intervenção tropicalista. Naquele momento, portanto, o oposto de MPB era Jovem Guarda e Roberto Carlos.

Não quero entrar na história do movimento, discutir seus defeitos, qualidades e influências (ô teminha polêmico!), mas imagine uma seqüência musical com É Proibido Fumar, Negro Gato, Eu Sou Terrível e Você Não Serve Pra Mim. A festa está pronta. É irresistível!

A partir de 1968, Roberto entrou na melhor fase de sua carreira. As baladas adolescentes deram lugar a belíssimos temas românticos – sem ser piegas, acreditem! – e o rock’n’roll ingênuo virou black music tupiniquim de primeira. Quem nunca cantou inconscientemente os versos de Se Você Pensa? - Daqui pra frente tudo vai ser diferente, você tem que aprender a ser gente, o seu orgulho não vale nada! - A MPB que torcia o nariz para aquele imitador de João Gilberto agora descobria um tremendo compositor e intérprete de estilo inconfundível.

Além de afinadíssimo, o cantor desenvolveu um fraseado impressionante. Ouçam, por exemplo, a gravação original de Sua Estupidez, de 1969. O ritmo, a respiração, o tempo que ele entra nos versos, nada é convencional. O mesmo acontece em As Curvas da Estrada de Santos. Isso pra não falar das letras inspiradíssimas, simples e profundas. Roberto e Erasmo estavam compondo como nunca. Não à toa essas canções foram gravadas na mesma época por Gal Costa e Elis Regina respectivamente. São ainda desse período as memoráveis As Canções que Você Fez pra Mim, As Flores Do Jardim Da Nossa Casa, Detalhes, Como Dois e Dois (presente de Caetano), Debaixo Dos Caracóis Dos Seus Cabelos (a retribuição), Todos Estão Surdos, e mais, muito mais.

E Roberto, quem diria, fez até música sobre maconha (!!!) com Erasmo. Ela se chama Maria Joana (pescou o trocadilho infame?) e está no indispensável Carlos, Erasmo, de 1971.

Depois desse período, Roberto foi perdendo o rumo. As boas canções eram cada vez mais raras. Continuou vendendo horrores – o auge foi o álbum Roberto Carlos, de 1981, com três milhões de cópias incluindo o mega-sucesso Emoções - e firmando a imagem cafona de latin lover. Passou por fases constrangedoras. Teve a “defesa da Amazônia”, as homenagens às “mulheres comuns” (gordinhas, baixinhas, quatro-olhos...) e até funk com Mc Leozinho no ano passado. Sem falar da intensificação das canções religiosas, MUITO diferentes da pulsante Todos Estão Surdos, de 1971. Foi o fundo do poço.

Numa recém-divulgada lista (ó, listas!) dos 100 maiores discos da música brasileira feita pela Rolling Stone, Roberto aparece com quatro álbuns. Não é pouco considerando a concorrência. São eles Jovem Guarda (1965), Em Ritmo de Aventura (1967), O Inimitável (1968) e Roberto Carlos (1971). Eu ainda acrescentaria o RC de 1969.

O jornalista Pedro Alexandre Sanches, autor dos livros Tropicália – a decadência bonita do samba e Como dois e dois são cinco – Roberto Carlos (& Erasmo & Wanderléa), diz uma coisa que concordo mais a cada dia: “Erasmo e Roberto são a espinha dorsal da música popular brasileira, de toda e qualquer música brasileira”.

Vale pensar (e ouvir), concordando ou não.

E claro, assistirei ao Especial apesar dos pesares.

8 comentários:

Anônimo disse...

Otimo texto. Sugiro encaminhar ao site www.clubedorei.com

Elis Bartonelli disse...

uaaaauuu!!
show, ph!
tá até sendo convidado a publicar em outro site!Olha lá,hein? Não vai virar estrela e abandornar os velhos amigos!
beijos

Anônimo disse...

Texto excelente! Parabéns!

Anônimo disse...

Amor, muito bom o texto, viu? Tô com preguiça de ler, mas nem preciso visto que vc acabou de ler pra mim no tel - tô até falando com vc!! =D

E tenho que reforçar: nesta 1ª foto, o Roberto tá muito cuecão de couro hein!! =p

Pois é, mas até que nossos passeios de carro são agradáveis ao som de Roberto - embora eu ache que eu sou a responsável por esse ar agradável!!! ;)

Beijooo!!

P.s.: Pronto, agora vc pode parar de reclamar que eu não posto aqui. Vou voltar a fazer minhas colas pra prova de amanhã!! Hahahahah!! =p

Marcio Nolasco disse...

Quero comunicar que textos do Canteiro Cabul são de uso exclusivo do blog, não podendo ser vendidos, doados ou encaminhados para qualquer outro site. hehehe. Muito bom, PH.

Sobre o Roberto, ele é fodão. Mas fodaço mesmo é o Erasmo. E tenho dito.

Marcio Nolasco disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Annie Hall disse...

aeee PH!!!! arrebentando!!!
mas serio...vc consegue assistir ao especial??? ehehehe

Anônimo disse...

Pedro, você foi ótimo. Sabe, minha opinião é que naqueles tempos quando a onda intelectual era curtir tropicália e ser de alguma forma subversivo, havia também um lance de preconceito ao romantismo e de alguma forma ao amor. Os homens, na verdade, morriam de ciúme, inveja ou qualuer sentimento que o valha do Rei RC.As piadinhas eram relacionadas sobretudo a sexualidade de Roberto Carlos, tudo para atingir a mulher namorada ou esposa. É que naverdade, Roberto Carlos ao cantar dizia coisas que os machões das décadas de 60 e 70 não diziam às suas companheiras. E ele(RC) dizia com palavras doces, românticas e carregadas e carinho. Então... a mulherada era apaixonada pelo rapaz que cantava em versos a "namoradinha de um amigo meu" ou ainda mais tarde sem poder esquecer "velhos costumes".
Valeu, Pedro!
Walter Farnezi
Jornalista